Se
você gosta de assistir a filmes infantis, assim como eu, conhece esse
peixinho-palhaço. Sua jornada em busca do filho perdido nos envolve de tal
maneira que acompanhamos atentos as cenas de Procurando Nemo (2003).
Marlin passa por uma vivência extremamente dolorosa e marcante em sua vida. Enquanto
celebra a chegada dos filhotes e a mudança para a casa nova, uma anêmona em um
belo recife de coral, um predador ataca sua esposa e sua ninhada, restando
apenas um filhote, Nemo. Torna-se, então, um pai superprotetor. Está
constantemente vigilante a fim de cumprir a promessa que fez a si mesmo de
nunca deixar nada acontecer ao pequeno sobrevivente. O que acentua ainda mais
os cuidados excessivos de Marlin é que Nemo tem uma nadadeira menor do que a
outra. Em seu primeiro dia de aula, após uma discussão com o pai em frente aos
colegas, Nemo se aventura a nadar em mar aberto e acaba sendo capturado por um
mergulhador. Inicia-se, então, a busca desesperada de Marlin por seu filho.
Marlin
nos traz algumas lições importantes. Vivemos em mundo perigoso. Escutamos
frequentemente histórias de negligência, violência, agressão. Há sempre algo
com o que se preocupar. O tombo no piso molhado, a queimadura com a água quente
no fogão, o sumiço na porta de casa, o assalto no trajeto para a escola, a
violência sexual, o amigo que oferece drogas. Diante de tantas ameaças, ficamos
apreensivos com relação à segurança de nossos filhos. Por medo de que algo
aconteça, monitoramos e acompanhamos. A preocupação se torna ainda mais
intensa, quando nós mesmos vivenciamos alguma situação de violência. Mas como
lidar com nossos medos e evitar que eles repercutam em práticas parentais
nocivas aos filhos? Qual o limite entre a preocupação saudável e a excessiva?
Quais as consequências da superproteção?
Todos
os pais, ao menos os que se envolvem na educação e no cuidado de seus filhos
com amor, preocupam-se e temem que algo ruim aconteça às crianças. Zelar pela
segurança delas é papel dos cuidadores. Portanto, proteger os filhos é uma
prática parental que contribui para a consolidação do sentimento de segurança.
Porém, os cuidados parentais se tornam sufocantes e prejudiciais quando não são
oferecidas às crianças e aos adolescentes oportunidades reais de experimentarem
o mundo por conta própria. Esse excesso se evidencia com a presença e a
vigilância dos cuidadores em todas as atividades dos filhos.
Então,
o que podemos aprender com Marlin?
Vivências dolorosas
podem nos tornar superprotetores
Vivências dolorosas
de violência ou de perda podem fazer com que nos sintamos impotentes. Um
caminho possível para lidar com esse sentimento é tentar ao máximo controlar as
circunstâncias e evitar situações de risco. Mas o caminho da vigilância
constante é penoso e cansativo. Além disso, é também o caminho da culpa. Isso
porque, quando algo foge ao controle, pais superprotetores se penitenciam, como
se tivessem falhando em sua missão de proteger os filhos e livrá-los de todos
os perigos. E, infelizmente, a culpa só intensifica ainda mais a vigilância.
Assim, é muito
importante buscar ajuda quando nos sentimos aprisionados pela ansiedade de
proteger os filhos a todo custo. Curtir o tempo que passamos com as crianças é
muito prazeroso, mas não é possível se estamos a todo tempo tensos e
cautelosos. Se só conseguimos pensar nos riscos, não nos permitimos relaxar e
aproveitar o momento.
Os cuidados parentais
excessivos geram constrangimento para os filhos
Às vezes, as crianças
aproveitam situações em que estão na frente de outras pessoas para tentar se
desvencilhar do cuidado sufocante dos pais. Nessas situações, pais
superprotetores tendem a perder o controle e a expor seus filhos a
constrangimentos com atitudes autoritárias e/ou argumentos emocionalmente
apelativos. Porém, é muito importante respeitar os filhos e seus sentimentos.
Quando o cuidador se excede e faz a criança passar vergonha, ela se sente
insegura e fragilizada. Esse comportamento parental não fornece suporte
emocional e afeta a autoestima da criança.
Por mais vigilantes
que sejamos, não podemos livrar os nossos filhos de tudo
Se relembrarmos a
trajetória dos filhos até hoje, com certeza, vamos nos recordar de coisas ruins
que aconteceram a eles. Tombos, enfermidades, sumiços, frustrações, reprovações
na escola. Não podemos controlar tudo que acontece aos nossos filhos, não
podemos poupá-los nem livrá-los de tudo. Precisamos aceitar a nossa
incompletude a fim de manejar os inevitáveis sofrimentos da vida. Nós sofremos
e nossos filhos sofrerão. Sofrimentos vêm, acidentes acontecem. Por mais
cuidadosos que os pais sejam, a vida se encarrega de apresentar difíceis
obstáculos a todos nós.
A superproteção
compromete a autonomia das crianças
Quando tenta alcançar
um objeto que o interessa, o bebê é desafiado a se locomover até ele. Mas se
aproximamos o objeto, não há desafio nem aprendizado. O bebê conquista novas
habilidades se tiver oportunidades de desbravar o mundo ao seu redor. Da mesma
maneira, as crianças e os adolescentes só conquistam autonomia se, em situações
cotidianas, tiverem a liberdade de explorar diferentes possibilidades. Os
cuidadores podem intervir quando as crianças demandam orientação e segurança.
Mas isso não significa necessariamente carregá-las no colo, mas talvez andar de
mãos dadas com elas.
É necessário conceder
às crianças a chance de viverem suas experiências sem o monitoramento constante
dos pais. Quando isso não é possível, situações corriqueiras se tornam grandes
barreiras a serem superadas. Os pais não precisam defender os filhos o tempo
todo, mas podem ensinar os pequenos a se defenderem por conta própria. Os pais
não precisam fazer todas as escolhas, mas podem ensinar os filhos a ponderarem
e considerarem diferentes variáveis, a fim de que eles mesmos façam suas
escolhas. Os pais não precisam iniciar as conversas e os relacionamentos dos
filhos, mas podem incentivá-los a interagir com os outros de maneira autêntica
e respeitosa. Quando impedimos que
os filhos lidem com situações difíceis, resolvendo tudo por eles, estamos
contribuindo para que eles se tornem sujeitos inseguros e sem iniciativa.
Nossos filhos podem
nos surpreender
Um dia, os filhos
irão nadar por aí com suas próprias nadadeiras. Então, se tiverem tido suporte
emocional ao longo de seus primeiros anos, eles terão recursos emocionais para
enfrentarem as dificuldades da vida e para batalharem por seus sonhos. Só nos surpreenderemos se confiarmos em nossos filhos. Se confiarmos nos ensinamentos que passamos a eles. Se confiarmos que com a formação participativa e interessada que lhes dedicamos, eles serão
capazes de fazer as suas próprias escolhas. Dialogar com os filhos de maneira
honesta, expondo os riscos que há no mundo, mas também apresentando as
possibilidades, enriquece a relação entre pais e filhos e fortalece o vínculo e
a confiança. Amedrontar as crianças apenas acalma a nossa insegurança e
apazigua os nossos medos. Enquanto, encorajá-las e incentivá-las a enfrentarem
as situações cotidianas com prudência e entusiasmo gera pessoas seguras e
preparadas para as lutas da vida. Lutas estas que, certamente, virão.
Há tempo para mudar
Quando as pessoas
próximas dizem que estamos exagerando nos cuidados com os filhos, devemos
ouvi-las. Dificilmente um cuidador superprotetor admite sua superproteção, pois
acredita que os cuidados excessivos estão mais do que justificados frente às
inúmeras ameaças. Pensam inclusive que pais que não agem dessa maneira são
negligentes.
É difícil mudar, mas reconhecer as nossas falhas
já é um começo. Podemos ir devagar, respeitando nosso ritmo. Um passo de cada
vez. Não se trata de não se preocupar mais, mas de junto com os filhos
construir estratégias de enfrentamento dos perigos diários. Quando o medo nos
impede de sermos bons pais, precisamos reavaliar e mudar. Buscar ajuda quando
necessário. Os medos fazem parte da vida, mas não podemos deixar que determinem
nossas ações e nossas práticas com nossos filhos.